quarta-feira, 8 de julho de 2015

O Engraxanço e o Culambismo Português


Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.

Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.
Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores,os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc... Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso.

Nesse tempo, «engraxar» era uma actividade socialmente menosprezada. O menino que engraxasse a professora tinha de enfrentar depois o escárnio da turma. O colunista que tecesse um grande elogio ao Presidente do Conselho era ostracizado pelos colegas.Ninguém gostava de um engraxador.

Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu. O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu. Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu. Para fazer face à crescente popularidade do desporto, importaram-se dos Estados Unidos, campeão do mundo na modalidade, as regras e os estatutos da American Federation of Ass-licking and Brown-nosing.Os praticantes portugueses puderam assim esquecer os tempos amadores do engraxanço e aperfeiçoarem-se no desenvolvimento profissional do Culambismo.

(...) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora. O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional. O culambismo compensa. Sobreviver sem um mínimo de conhecimentos de culambismo é hoje tão difícil como vencer na vida sem saber falar inglês.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

3 comentários:

Anónimo disse...

O que é fantástico, é que ele vem com esta conversa, mas recentemente casou uma filha e em que tudo, mas tudo foi "oferecido" por marcas. Ora se eu não reconheço nenhuma atividade da menina, parece-me que se aplica o texto. Para dizer que isto tb é muito português, falar dos outros sem olhar para nós... Na vida, ainda mais no futebol...

Tiago

Manel Jaquizinho disse...

Foda-se, um livro do MEC publico em 1991... ganda moca !

VC disse...

Pró anónimo das 13:08
Infelizmente não entendeu. Lamento informar mas Culambismo não é o que diz. O que o Sr. Anónimo faz é confundir as coisas sem saber do que fala. Felizmente, para todos nós O MEC nunca foi Culambista porque senão não seria o MEC. Só quem não conhece o trabalho de MEC pode dizer o que diz.
Continuamos com o "lá vamos, cantando e rindo";

Ó Manel Jaquizinho,
Até os Lusíadas e os Maias ainda vamos lendo. Felizmente, não é? Mas ganda moca, mesmo, é a Divina Comédia, do Dante, um bocadinho antes daqueles dois. Experimente, ou pelo menos tente, mas atenção que é um livro velhito do Século XIII.