segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Ser Nico Gaitán




Se Jorge Jesus tem a sua caderneta recheada de cromos que ajudou a potenciar e a elevar a um patamar mais alto de qualidade, também tem vários exemplos de jogadores que não soube explorar ao máximo. Um caso é evidente é o do super-talentoso Nico Gaitán, que nas mãos de Jesus esteve sempre muito preso à linha lateral, sem a liberdade de que precisa para fazer explodir todo o génio que leva dentro do seu aveludado futebol.

O argentino, que vai na 5ª época de Gloriosa ao peito, só começou a convencer o treinador português a utilizá-lo em zonas mais interiores a meio da época passada. Até lá, em 3 épocas e meia, raros foram os momentos em que vimos Gaitán deambular pelo miolo. E, quando víamos, rapidamente Jorge Jesus dava indicações para que voltasse à âncora da linha lateral - como se, forçando o talento à ordem e método do proletariado, pudesse encher Gaitán com mais futebol. Não enchia: Gaitán mirrava.

Ao longo de 5 anos é verdade que o argentino começou a saber entender o que pretendia Jesus, sobretudo em termos defensivos, ofício que durante as duas primeiras épocas lhe pareceu sempre (e ainda parece, mas agora disfarça melhor) aberrante e contranatura. Na verdade, Gaitán andava amordaçado a uma necessidade de cumprir religiosamente as compensações às subidas do lateral, os despocionamentos dos médios, os desequilíbrios que a equipa de Jesus sempre teve. Com isso, desgastava-se, prejudicava a equipa, perdia metros na frente e, quando pegava na bola, já estava exausto (física e mentalmente) e sempre numa posição em que partia demasiadamente longe do coração do jogo.

Felizmente, e já veio tarde, o mister começou a perceber que podia dar liberdade a Nico para que, partindo da ala no esquema que todos pintam no início do jogo mas que é apenas isso: um esboço de algo que rapidamente começará a dançar como partículas sob o calor, pudesse então pintar, tecelar, escrever e musicar todo o futuro das partidas. Nico já não tem uma corda agarrada à cintura; agora pode voar e então avança para o jogo interior, vai dar linhas de passe aos médios no centro do terreno, arranca de trás, finta e faz fintar, descobre espaços, desequilibra e arrasa o posicionamento defensivo dos adversários, aparece isolado, desmarca-se e entra em triangulações. Tudo quase sempre pelo meio - seja estando lá inicialmente, seja partindo da ala. Mas já não é o esforçado e obrigado extremo que tinha de andar paralelo à linha lateral a fazer piscinas como se fosse um robot. Jesus demorou a entender, mas chegou lá: o coração do Gaitán não é de lata.

Uma nota final para a jogada no terceiro golo contra o Belenenses: toda ela explica o porquê de ser estúpida a ideia que defende que «não podemos criticar o jogador por rematar à baliza quando está em boa posição». É evidente que podemos e devemos. Chama-se decisão. Gaitán tem a decisão dos bons; outros têm a decisão dos maus. Rematar naquela situação (dando golo ou não, a análise é independente do resultado) seria uma má solução; a melhor foi a que Nico encontrou: colocar um colega com a baliza escancarada: é que ainda é mais fácil marcar golo sem ninguén na baliza do que com um guarda-redes pela frente. O resto, toda a loucura dos anteriores segundos, foi Nico a mostrar a Jesus que o futebol que leva dentro não é de robot mas de pássaro voador.

2 comentários:

Sandro disse...

Excelente analise, totalmente de acordo... O 10 assenta-lhe que nem uma luva

VC disse...

O "príncipe" da táctica e "actual presidente do Benfica em exercício" essa sumidade de quem nunca ouvi uma perolazinha sobre futebol, levou cinco anos, mais de dois terços da carreira de um futebolista profissional, para descobrir como deve jogar um jogador como Nico Gaitan. Assusto-me, pois claro que me assusto, que o adjunto do jorge, para quem não sabe - o Vieira - não se tenha já revoltado.
Tudo isto é uma brincadeira. Ou uma palhaçada. Decidam vocês.